Um ano e quatro meses depois do lançamento do ChatGPT, que trouxe a inteligência artificial (IA) generativa para a ribalta, as preocupações quanto ao uso desta tecnologia estendem-se ao setor da Educação e novos paradigmas são colocadas em cima da mesa.
A relevância do tema foi mote para debate das Práticas Transformadoras em Educação Digital no Ensino Superior na 2.ª edição das Jornadas Pedagógicas do ISCAL, que decorreu no dia 21 de março, no auditório I do ISCAL, em Lisboa.
No evento que reuniu estudantes e docentes das várias Unidades Orgânicas do Politécnico de Lisboa, o Presidente da Instituição, Pedro Pinheiro, iniciou a sessão referindo que a forma de ensinar está em constante mudança e que é necessário estar a par das novas tendências para continuar a prestar um serviço de qualidade.
"As pessoas que hoje estão em salas de aula connosco têm uma forma de aprender diferente, têm interesses diferentes e não vale a pena, em minha opinião, continuarmos a insistir que temos de os moldar a um sistema de ensino como o que tínhamos anteriormente e de continuarmos a persistir que são os estudantes que têm de fazer todo este trajeto em deixarem de ser aquilo que são para se enquadrar na nossa forma de ensinar", começou por referir.
Para si, existem atualmente novas dinâmicas e conceitos que "trazidos para dentro dos espaços de sala de aula nos podem facilitar todo este processo de ligação com os estudantes". No entanto, deixa também um recado aos estudantes presentes: "Mudar a metodologia pressupõe que do vosso lado a atitude também tem que ser diferenciada - não pode ser a atitude de estar sentado numa sala de aula apenas a ouvir aquilo que o professor tem a dizer de forma passiva, porque esta mudança de abordagem pressupõe também do vosso lado uma mudança na forma como rececionam tudo aquilo que é transmitido".
Pedro Pinheiro diz que é com este equilíbrio que a instituição, docentes e estudantes saem beneficiados. "A instituição, porque vai fomentar o sucesso escolar, o bem estar estudantil, a redução da taxa de abandono e, acima de tudo, vai formar profissionais altamente qualificados. Os professores, porque se vão sentir mais realizados no desenvolvimento do seu trabalho e vocês que também vão sentir que o tempo que passam connosco tem um interesse maior, porque percecionam também que estão de facto a desenvolver competências num ambiente que é de facto favorável para isso", termina.
Carla Martinho, presidente do Conselho Pedagógico, assinala a importância destas jornadas principalmente para a docência. "Os professores do Ensino Superior, que como todos nós sabemos, não têm - na sua maioria - uma preparação pedagógica. Neste caso, eu acho que em quatro anos termos trinta docentes numa ação pedagógica é muito bom", diz.
Para Adriana Cardoso, docente da Escola Superior de Educação de Lisboa (ESELx) e membro do grupo de Ensino à Distância do Politécnico de Lisboa (EAD), a heterogeneidade de estudantes que se vê hoje no Ensino Superior exige respostas do ponto de vista metodológico cada vez mais marcado pelo desenvolvimento tecnológico. Neste sentido, a docente destaca alguns documentos, como a declaração de Bolonha, "que impõe alterações ao nível curricular e também ao nível das práticas pedagógicas", os documentos emanados da Comissão Europeia e do Conselho Nacional de Educação e a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES)."Transversalmente, todos estes referenciais apontam no sentido da adoção de metodologias ativas, que colocam o aluno no centro da aprendizagem", exclama. Salienta-se ainda nestes referenciais a necessidade de uma formação não meramente técnica e científica, mas também que contemple o desenvolvimento de outro tipo de competências: pensamento crítico, criativo, resolução de problemas, assim como a realização de atividades de aprendizagem cooperativa, de trabalho em equipas ou de comunidades de aprendizagem", continua.
Deste modo, Adriana Cardoso ressalta que as tecnologias digitais têm um forte potencial na promoção de uma aprendizagem mais personalizada e flexível, com feedback imediato e diversificado, destacando as simulações virtuais e experiências imersivas que podem ser implementadas em contexto de sala de aula.
Pensando numa lógica de boas práticas, Vítor Manteigas, professor da Escola Superior de Tecnologias da Saúde, expõe um conjunto de técnicas que os docentes podem implementar nas suas unidades curriculares na plataforma Moodle.
Desta forma, o docente apresenta quatro indicadores cruciais para o uso desta plataforma - apresentação da disciplina, organização da mesma, o acompanhamento dos estudantes e a questão do feedback.
No que diz respeito à apresentação da disciplina, Vítor Manteigas fala sobre a importância de garantir que num primeiro contacto, o estudante reconheça aquela disciplina como sua. "Uma das práticas que eu utilizo no primeiro ano, logo na primeira aula, é explicar - para além do programa de festas da disciplina e o regime de avaliação - como é que a minha disciplina funciona no moodle, porque muitos deles perdem-se literalmente".
Já a questão da organização da disciplina, o professor refere que se as atividades estiverem "muito bem arrumadinhas", mais facilmente os estudantes fazem uso destes recursos.
A forma como é estruturada a informação, o uso de recursos externos, como por exemplo, o Youtube ou o Educast da FCCN e a existência de uma secção específica dedicada aos instrumentos de avaliação foram alguns dos exemplos desenvolvidos na sessão. "Temos uma série de exemplos. Algumas delas até potenciam o trabalho colaborativo, como é o caso da questão do fórum social. O fórum social possibilita claramente uma interação completamente distinta e pode potencializar também aqui o trabalho colaborativo. Outra instrumento que costumamos utilizar é o OneDrive como ferramenta de trabalho colaborativo no próprio Moodle", refere.
Quanto à questão do acompanhamento dos estudantes, Vitor Manteigas sugere a utilização dos fóruns, nomeadamente, o fórum social que possibilita uma certa interação, e do fórum anúncios, da barra de progressão em que o estudante pode perceber qual é que é a taxa de conclusão das tarefas que o docente preconiza para aquela disciplina.
E, por fim no que diz respeito à avaliação e ao feedback, para o docente, "mais importante do que a nota, é ter um feedback efetivo daquilo que fez bem ou daquilo que fez mal. O reforço positivo é particularmente importante. O Moodle possibilita feedback de diferentes formas. Em vez de estarem a imprimir, por exemplo, e estarem a fazer notas a caneta e depois arranjar uma outra forma de dar feedback aos estudantes, vocês podem fazê-lo diretamente no documento que eventualmente o estudante terá submetido. (...) E depois a questão da avaliação, vocês podem definir aquilo que é a vossa pauta, os critérios de avaliação, com diferentes ponderações para os diferentes instrumentos, com a vantagem de que o estudante, consoante vocês vão dando o feedback e a respetiva nota, vai vendo a sua pauta a ser construída".
Ricardo Pereira Rodrigues, docente da Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), diz que o seu trabalho parte muito neste sentido de ajudar os docentes a tornar a plataforma do Moodle mais expressiva. "Temos investido em tornar o nosso Moodle cada vez mais uma plataforma de apoio, mas às vezes não é só de apoio, às vezes ela constitui para alguns estudantes a única ligação, a única ponte que tem com a instituição, neste caso a Unidade Orgânica, mas também com o Politécnico de Lisboa", refere.
O docente e presidente do Conselho Pedagógico da ESCS aponta a comunicação simples e direta como a estratégia mais eficaz para trabalho o desenho visual de uma unidade curricular (UC).
Além disso, a escolha de determinada imagem e o respetivo nome, bem como a organização da informação, a escolha de cores quentes, formatos como vídeos, imagens, hiperligações e até a utilização de emojis são aspetos cruciais para chamar a atenção dos estudantes. "Se nós mantivermos esta estrutura ao longo do curso ou ao longo do semestre, há uma espécie de efeito de treino visual por parte dos estudantes e também mental na localização da informação. Portanto, a cada sessão, a cada aula, eles já sabem onde é que têm que ir para começar a trabalhar naquela disciplina", aponta Ricardo Rodrigues.
"Há aqui alguns elementos básicos de design gráfico que é importante nós termos em conta, desde logo a linha, no sentido em que ela nos permite dividir secções na página, a cor, como eu já referi assim muito brevemente, o espaço... Nós, professores, tendemos a ocupar os slides com muitas informações e quando não há espaço em branco ou livre de informação, a página fica muito sobrecarregada e o estudante mesmo antes de começar a ler os recursos que estão ali disponíveis já está cansado", continua.
Para si, ferramentas como o Canva, Adobe Express, Geniali, PowerPoint e o Google Slides podem ter um papel muito interessante no que diz respeito a este tema.
Já para Carla Martinho, "qualquer plataforma de gestão de aprendizagem quer-se flexível e personalizável, tal como o Moodle" e, é nesse sentido que os fóruns podem e devem ser utilizados - por forma a facilitar a comunicação e interação. "A escolha do tipo de fórum depende, obviamente, dos objetivos ou das tarefas que pretendamos realizar com os nossos estudantes", começa por dizer.
Para si este trabalho colaborativo é essencial para promover uma aprendizagem significativa e desenvolver competências interpessoais e preparar os estudantes para o sucesso académico e profissional.
Em contexto de sala de aula, a docente conta que na unidade curricular de matemática que lecciona acabava por não ter tempo suficiente para resolver todos os exercícios, o que criava, muitas das vezes, as mesmas dúvidas aos estudantes. Foi neste enquadramento que decidiu criar um fórum - com descrição dos tópicos a abordar - e revela como programas de edição de PDF's (exemplo do Adobe Scan) têm um papel importante na resolução dos exercícios e nos feedbacks.
Além disso, Carla Martinho abordou ainda a questão das notificações na plataforma, o que permite aos estudantes manterem-se a par de todas as atualizações.
Renato Abreu, pró-presidente para o Ensino a Distância do Politécnico de Lisboa e docente da Escola Superior de Tecnologias da Saúde de Lisboa, discutiu sobre a introdução ao conceito de sala invertida e diferentes etapas do modelo deste aula invertida, assim como a questão do feedback/resultados deste tipo de modelo.
"Com a aula invertida, toda a matéria passou a ser disponibilizada na plataforma Moodle, através de videoaulas. Ou seja, os estudantes têm de, uma semana antes, verem todos os vídeos referentes à componente teórica e na aula presencial esclarecer as dúvidas sobre o que visualizaram e, acima de tudo, realizar atividades práticas. Basicamente, não há teoria nestas aulas", começou por referir.
O docente aproveitou a sessão para mostrar em tempo real como funciona o cenário de aula invertida na sua unidade curricular.
A INTEGRAÇÃO DA IA NO ENSINO E NA INVESTIGAÇÃO
Com moderação do Professor e CEO da 2B-On, João Geraldes, esta 2.ª Edição das Jornadas Pedagógicas abordou ainda a forma com a Inteligência Artificial pode ser integrada no ensino e na investigação, numa mesa redonda que contou com a participação da docente Anabela Batista Correira, de José Santos, CEO da Blended Training Service plataformas de LMS e educação e do estudante do 2.º ano de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores, Afonso Mendes.
João Geraldes iniciou o seu discurso afirmando que partilhou previamente quatro questões que fez ao ChatGPT com os convidados da mesa e, que dependendo das respostas obtidas, esta ferramenta iria responder em tempo real durante o evento.
Qual a melhor forma de integrar soluções de inteligência artificial no ensino superior e na investigação, existem evidências de casos de sucesso académico com a integração da IA, o ISCAL será uma boa instituição para aplicar a IA e como é que esta ferramenta pode apoiar os docentes da área da gestão, contabilidade e afins, foram as principais questões debatidas pela mesa redonda.
O evento ficou ainda marcado pela entrega dos certificados de mérito aos estudantes que contou com as intervenções da Vice-Presidente do ISCAL, professora Ana Alice Pedro, e da docente e membro do Conselho Pedagógico, Catarina Kaizeler.
"Temos alunos que tiveram um percurso académico que deve ser reconhecido e que deve ser valorizado e, por isso mesmo, vamos entregar os certificados de mérito que estão previstos de acordo com as normas de avaliação a estudantes que, para além de terem uma boa média, estão no top Ten do próprio curso, no ano de 2022/2023", termina Ana Alice Pedro.