Passar para o conteúdo principal

Banner

ISCAL Serviço

Combater a desigualdade

 

Após mais de duas décadas de intenso e frutífero debate académico acerca das questões da desigualdade de rendimento e de riqueza, foi recentemente publicada uma obra de referência que sistematiza e sintetiza os esforços protagonizados pela ciência económica no que respeita à compreensão, medição, e atuação face a tão relevante problemática. Combating Inequality: Rethinking Government’s Role, publicado pela MIT Press no ano de 2021 e editado por Olivier Blanchard e Dani Rodrik, é uma soberba compilação de 29 capítulos da autoria de alguns dos mais destacados economistas da atualidade, como é o caso de Gregory Mankiw, Emmanuel Saez, Daron Acemoglu, ou Marianne Bertrand, entre muitos outros. 
Os sucessivos capítulos do livro refletem sobre a desigualdade de rendimento e riqueza nos países desenvolvidos, e em particular nos Estados Unidos e na Europa, de uma forma abrangente e multidimensional. São cobertas as dimensões económica, financeira, ética, política e fiscal.

Colocam-se importantes interrogações, para as quais se procuram igualmente respostas: Até que ponto poderá a desigualdade comprometer o crescimento económico? Deverão existir limites éticos para a acumulação de riqueza? Será a concentração de riqueza promotora de conflito social e sociedades menos livres? Está a desigualdade intimamente associada à discriminação racial, de género ou de qualquer outro tipo? Poderá o sistema de ensino constituir-se como a arma mais eficaz para mitigar desigualdades? Será o processo de globalização inimigo do desenvolvimento de uma sociedade mais justa e equilibrada? Conseguirá o mercado de trabalho garantir os mecanismos de acesso a um nível de vida digno para todos? Será o Estado a única entidade económica e social com capacidade para reverter uma acumulação de riqueza excessiva e eventualmente abusiva e injusta?

O influente trabalho académico do economista francês Thomas Piketty, e seus coautores, desenvolvido ao longo dos últimos anos, veio destacar um conjunto de factos que são hoje o ponto de referência para debater as questões da desigualdade. Tais autores destacaram que a sociedades profundamente desiguais no final do século XIX e início do século XX se sucedeu um período em que as disparidades se esbateram: importantes políticas públicas nos campos da educação, saúde, direitos cívicos e direitos laborais conduziriam a sociedades mais igualitárias. Este processo viria a ser impiedosamente revertido a partir do início do presente século, de um modo que se tem vindo a intensificar. Hoje, nos Estados Unidos da América, país onde as desigualdades mais se acentuaram, os 0,1% no topo da distribuição da riqueza concentram 20% dessa mesma riqueza.

A crescente concentração de rendimento e riqueza tem causas profundas no funcionamento do sistema económico contemporâneo. A automatização dos processos produtivos leva à desvalorização do trabalho, nomeadamente aquele que não é altamente qualificado, promovendo e valorizando o capital (financeiro, físico e humano) e os seus detentores. Concentrando os meios de produção, não será difícil a quem os detém perpetuar uma situação de privilégio face à restante sociedade. Em tal contexto, será necessário muito mais que uma política fiscal com algum grau de progressividade para combater a desigualdade; a intervenção social necessária é muito mais profunda, e é sobre essa intervenção que de forma sóbria, rigorosa, e competente, o livro Combating Inequality nos faz pensar.